A estabilidade é, sem dúvidas, a pauta mais comentada da Reforma Administrativa. A proposta é restringi-la a apenas alguns cargos públicos e, ainda, incrementar as hipóteses de demissão dos servidores.
A justificativa consiste em aumentar a produtividade e a eficiência do serviço público, retirando os servidores da “zona de conforto” criada pela “indemissibilidade” do servidor.
No entanto, submeter os servidores a essa instabilidade pode ser perigoso para a própria continuidade dos serviços públicos. Afinal, nessa “corda-bamba”, o vínculo com o Estado estaria sob constante risco e os servidores tentariam manter o equilíbrio sempre que os ventos políticos mudassem de direção.
Então, será que é necessário alterar a estabilidade?
Entendendo a estabilidade
A estabilidade, ao contrário do que muitos pensam, não significa a impossibilidade de demissão dos servidores públicos. Eles podem sim perder os seus cargos.
As hipóteses são as seguintes (art. 41, CF): (i) sentença judicial transitada em julgado; (ii) processo administrativo disciplinar (PAD); e (iii) avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar. Há, ainda, uma 4ª hipótese, nunca usada, que permite exoneração de servidores estáveis em caso de excesso de gastos com pessoal, quando outras medidas não forem suficientes para contê-los, conforme art. 169, §4º, CF.
Vê-se que a demissão é plenamente possível, desde que respeitado um processo administrativo ou judicial, que garanta ao servidor possibilidade de ampla defesa. Nada mais justo, pois o que está em jogo é a viabilidade de o servidor exercer suas funções em prol do interesse público e coletivo, e não dos interesses específicos de cada governo.
Vamos relembrar os últimos anos. Dilma Roussef, em seu segundo mandato, governou o Brasil por 1 ano e 8 meses; Michel Temer pelos 2 anos e 3 meses seguintes; e, nos últimos quase 2 anos, Jair Bolsonaro. E se cada um deles pudesse substituir todos os servidores de determinado órgão ao assumir a Presidência da República?
As demissões em massa são uma realidade na iniciativa privada. Recentemente, a Embraer anunciou o corte de 2.500 funcionários. Imagine se, no setor público, ocorresse o mesmo. Como seria a troca ou a dispensa de milhares de professores nas escolas públicas?
E é justamente aí que entra a estabilidade. Ela impede que servidores de Estado virem servidores de governo e, assim, evita que eles fiquem à mercê das constantes alterações ideológicas do cenário político.
A inexistência de avaliação de desempenho
A ideia de que o servidor seria “indemissível” não passa de um mito. Segundo dados da Controladoria-Geral da União, mais de 80 mil PADs foram instaurados e 7.766 servidores estáveis foram demitidos entre 2003 e 2019.
Os dados mostram que a maioria dos casos de demissão decorrem de corrupção (5.114); seguidos dos casos de abandono, inassiduidade ou acumulação indevida de cargos (1.860), de negligência (223) e outras causas (569).
Dificilmente os servidores perdem os cargos por desempenho insuficiente, exceto nos poucos casos de “desídia” ou de “negligência” apurados em PADs. Isso ocorre devido à ausência de regulamentação da “avaliação periódica de desempenho”, mesmo estando prevista em nosso ordenamento jurídico há mais de 20 anos (EC n. 20/1998).
Mas enquanto o desempenho do servidor não for aferido, ele não será demitido pelas causas que, efetivamente, geram a ineficiência do serviço público: demora na entrega, falta de compromisso, baixa qualidade do serviço, etc.
Então o problema não é, propriamente, a estabilidade. O problema é que o Estado não prioriza a avaliação de desempenho e o controle de resultados. E talvez ainda haja um interesse político subliminar nessa omissão: a quem interessa estigmatizar o servidor público como ineficiente?
Como a Reforma pretende sanar esse problema?
Apesar de o desempenho ser o cerne da questão, a PEC n. 32/2020 nada dispõe sobre a avaliação periódica dos servidores. Essa discussão supostamente será travada na segunda fase da Reforma (fase infraconstitucional).
Por ora, a PEC n. 32/2020 sugere restringir a estabilidade aos ocupantes de cargos típicos de Estado, ou seja, às Carreiras que desempenham atividades próprias e essenciais do Estado, sem correspondência no setor privado, como segurança nacional, magistratura, fiscalização e diplomacia.
Essas Carreiras serão convenientemente definidas em projetos de lei futuros, de competência de cada ente federativo. Em outras palavras: o critério político de cada ente definirá quais serão os servidores protegidos e quais serão aqueles expostos ao interesse político. Alguma dúvida sobre para qual lado a balança vai pender?
Além da restrição da estabilidade, a proposta é facilitar a demissão do servidor estável, tanto mediante a avaliação de desempenho, que ainda será regulamentada, quanto por meio de ações judiciais. Agora não é mais necessário aguardar o término do processo; o servidor poderá ser demitido após uma decisão de 2ª instância ou colegiada.
Quanto aos empregados de empresas estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias), eles só terão estabilidade por meio de negociação sindical, se houver direito equivalente no setor privado.
Na prática, portanto, apenas um pequeno grupo de novos servidores terá direito à estabilidade, além dos antigos servidores que já a tinham. Todos os demais poderão ser demitidos por qualquer motivo ou mesmo por motivo nenhum.
A luta pela manutenção da estabilidade
Como visto, a estabilidade é uma importante garantia dos servidores, que ampara a sua atuação imparcial e atemporal. Mas esse instituto não pode ser relacionado automaticamente à baixa produtividade. Se o desempenho do servidor é ruim, devem ser sugeridas medidas de controle de resultados, de fiscalização da produtividade, de recompensas por merecimento.
A prioridade da Reforma Administrativa deveria ser, portanto, a regulamentação da avaliação de desempenho periódica, e não o “fim” da estabilidade.
Mas, uma vez proposta, é certo que o governo enfrentará uma grande resistência para a sua aprovação. Até mesmo os servidores de Carreiras Típicas de Estado defendem que a estabilidade é inegociável e já sinalizaram que lutarão pela sua manutenção para todo o funcionalismo, não só para uma parte dele.