7 de maio de 2008. Essa é a marcante data em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal definiu o caráter facultativo da defesa técnica, realizada por advogado devidamente habilitado, em processos administrativos disciplinares (PADs). Ao analisar o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, o STF editou a Súmula Vinculante n° 5, segundo a qual “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
À época, o estabelecimento desta súmula visava à superação do Enunciado n° 343, do Superior Tribunal de Justiça, que dispunha sobre a obrigatoriedade da presença de advogado em todas as fases do PAD. Como um pêndulo, passou-se de uma compreensão da essencialidade do acompanhamento técnico, à luz da ampla defesa constitucional, para outra que não vislumbra prejuízo ao acusado caso não haja representação de advogado nos autos.
Esse pêndulo, no entanto, não ficou estabilizado nos anos que seguiram, justamente porque esse enunciado não vincula as atividades do Poder Legislativo (e da própria Suprema Corte) [1]. Por reiteradas vezes, os membros do Congresso Nacional buscaram, pela via ordinária, sobrepor legislações ao dispositivo sumular e, assim, retomar o entendimento antes veiculado na superada Súmula n° 343 do STJ.
Interessante perceber que a representação por advogado no PAD era pauta legislativa até mesmo quando ainda vigia esse enunciado do STJ. Em dezembro de 2007, o então deputado federal Rodrigo Rollemberg apresentou o Projeto de Lei (PL) n° 2.560/2007, com o objetivo de positivar, no ordenamento jurídico brasileiro, o caráter mandatório da assistência técnica no processo disciplinar. Nas razões de justificação, o autor do PL reivindicava que “um processo administrativo contra servidor público, sem a presença de advogado, obsta a formação de uma relação jurídica válida“. A proposição não foi para frente.
Já sob a vigência da Súmula Vinculante n° 5, dois PLs, também de origem da Câmara dos Deputados, visam à compulsoriedade da defesa técnica no PAD.
Em 2016, o então deputado federal Rodrigo Pacheco submeteu o PL n° 5.412/2016 à Câmara dos Deputados, cujo texto foi devolvido pela Mesa Diretora. Três anos depois, já como senador da República, o legislador fez a mesma proposição. Buscando apenas salvaguardar a ampla defesa, o senador propôs acrescentar ao artigo 156 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei n° 8.112/1990) a garantia de assistência técnica ao servidor acusado. O Projeto de Lei n° 2.643/2019, no entanto, inova ao também prever a representação por defensor público, caso o agente público não possua condições de arcar com honorários advocatícios. A proposta já se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e aguarda designação de relator.
Nesse meio tempo, o então deputado federal Daniel Vilela apresentou o PL 7.321/2017, que almejava o retorno do status quo da Súmula n° 343 do STJ. O dispositivo apresentado acrescentava ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a hipótese de nulidade processual em PADs em que inexistisse a representação do acusado por advogado. Claramente contrária ao enunciado vinculante, a proposição foi justificada pela complexidade dos atos do processo disciplinar e pela missão da advocacia. Mesmo assim, o projeto não caminhou, tendo sido devolvida pela Mesa Diretora por desrespeito à iniciativa privativa do presidente da República.
A ânsia pela retomada do protagonismo do advogado nos processos disciplinares não se restringiu, claro, à pauta legislativa. Por sua própria razão de ser, a OAB reagiu à edição da Súmula Vinculante n° 5 ainda no ano em que foi editada. Devidamente legitimado para propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de caráter vinculante [2], o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil destacou que não haveria reiteradas decisões de matéria constitucional a ensejar a edição de súmula vinculante.
Mais importante ainda, ressaltou-se que a mera possibilidade de aplicação de pena basta para que o acompanhamento processual por advogado seja necessário. A presença de advogado, em síntese, já aponta para a observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. A retórica não foi suficiente: o STF rejeitou a proposta de cancelamento da súmula.
Por mais claros que tenham sido os movimentos de reação ao enunciado vinculante, fato é que, ainda hoje, persiste a sua aplicação. Fato também é que, ainda que a Suprema Corte brasileira entenda que a defesa técnica não seja essencial ao PAD, certamente é relevantíssima para a garantia de justiça.
Ora, o processo administrativo disciplinar é o modo pelo qual se pode investigar, apurar eventuais ilícitos e punir agentes públicos. Se há “casos bobos”, que serão arquivados, também há casos sensíveis, reativos a perseguições, a assédios e a penas arbitrárias e desproporcionais. A presença de um advogado, nesse sentido, ultrapassa a mera burocracia: assegura, nem que seja minimamente, o respeito para com o acusado e a higidez de um processo técnico (com a colheita devida de provas, a observância aos prazos prescricionais, a garantia ao contraditório etc.), sem que interferências meramente políticas adentrem ao resultado do PAD.
Questões sensíveis e/ou complexas exigem cautela e, por mais clichê que seja, qualquer cuidado é pouco. Confiemos, então, nos especialistas!
[1] Por ordem do artigo 103-A, da Constituição da República, e da Lei n° 11.417/2006, o enunciado da súmula vinculante apenas subordina os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.
[2] Artigo 3º da Lei n° 11.417/2006.
Fonte original: https://www.conjur.com.br/2021-mar-05/morais-defesa-tecnica-pads-facultativa-necessaria