Certamente, 2021 foi um ano preocupante. Considerando-se o cenário político de “caça às bruxas” contra os servidores públicos, foi incansável a luta contra pautas legislativas potencialmente prejudiciais.
A principal pauta, sem dúvidas, continuou sendo a reforma administrativa (Proposta de Emenda à Constituição nº 32/2020). Apresentada em 2020, a proposta que, à época, era considerada prioritária, perdeu ênfase ao longo de 2021, sobretudo após o recuo do próprio governo. Contrariando as pretensões de Paulo Guedes, Bolsonaro chegou a afirmar que não quer mais a reforma.
Mesmo assim, a mobilização de entidades em defesa dos servidores públicos continuou intensa. Investiram em campanhas digitais contra a PEC nº 32/2020 e convocaram manifestações em diversos estados. O objetivo foi aumentar a conscientização sobre os prejuízos que a proposta traz à própria população, já que todos os brasileiros dependem de serviços públicos de qualidade.
Graças a essa resistência, a proposta teve poucos andamentos. Até agora, foram concluídas apenas as duas primeiras fases de tramitação de uma PEC: a apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania (CCJC) e a avaliação pela Comissão Especial, ambas ainda no âmbito da Câmara dos Deputados.
Nessas duas etapas, o texto inicial proposto pelo governo foi substancialmente alterado. A estabilidade, que se pretendia praticamente eliminar, foi mantida para todos os servidores aprovados em concurso público. Ainda, as regras sobre as avaliações de desempenho foram formalizadas, passando a ser obrigatórias e periódicas, com impactos nas progressões e promoções dos servidores, inclusive com a possibilidade de perda do cargo.
Além disso, o substitutivo admitido pela Comissão Especial estabelece quais são os cargos denominados típicos de Estado e permite o desligamento de servidores estáveis quando o cargo for extinto por lei ou quando um cargo for considerado obsoleto/desnecessário. Todas as modificações estão sintetizadas em uma tabela comparativa entre os dispositivos vigentes da Constituição Federal, a redação original da PEC nº 32/2020 e o texto-base aprovado na Comissão Especial.
O passo seguinte seria a votação do texto no Plenário da Câmara, o que até o momento não ocorreu. E, como 2022 será um ano eleitoral, as especulações são pela rejeição da PEC nº 32/2020, colocando-se um ponto final nessa discussão.
Enquanto a reforma administrativa caminhou a passos de tartaruga, outras pautas foram aprovadas num piscar de olhos ao longo de 2021. A PEC Emergencial, por exemplo, tramitou em tempo recorde, impulsionada pela implementação do Auxílio Emergencial. O regime de urgência aplicado à sua tramitação impediu a realização de estudos adequados e de debates com a sociedade civil, resultando em pouco ou nenhum impacto positivo no controle dos gastos públicos.
Muito se discutiu acerca dos “gatilhos”, que permitiram o congelamento de salários e a limitação de concursos públicos ao preenchimento de cargos vagos decorrentes de aposentadoria, demissão ou falecimento. No entanto, segundo levantamentos feitos pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal, dificilmente os impactos serão sentidos, pois é muito provável que, antes de serem concretizadas as condições para acionamento dos gatilhos, o próprio teto de gastos já tenha se tornado insustentável [1].
Outra proposta votada às pressas foi a Lei nº 14.230/2021, a chamada “nova Lei de Improbidade Administrativa”, que alterou significativamente a Lei nº 8.429/1992.
Entre as principais inovações, está a impossibilidade de condenação por atos culposos. Agora a lei exige comprovação do dolo específico, ou seja, da “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito” (artigo 1º, §2º). E, no caso de atos que atentem contra os princípios da Administração Pública, o ilícito deve estar expressamente tipificado na lei. Com a supressão da expressão “notadamente”, entende-se que o rol de atos de improbidade previstos no artigo 11 da Lei nº 8.429/1993, que antes era considerado exemplificativo, passa a ser taxativo.
Para além das alterações nos prazos prescricionais e nas sanções, com o aumento da suspensão dos direitos políticos do agente ímprobo por até 14 anos, em casos de enriquecimento ilícito, e de até 12 anos, nos casos de prejuízo ao erário, a nova lei trouxe um ponto que, apesar de ter sido pouco comentado, merece destaque.
Por meio do artigo 17-D, alterou-se a natureza da ação de improbidade administrativa, que deixou de ser uma ação civil pública e passou a ser uma ação repressiva, de caráter sancionatório, vocacionada especificamente à aplicação de sanções pessoais. Essa ação agora é de titularidade única e exclusiva do Ministério Público, não podendo mais os entes públicos lesados atuarem em juízo contra casos de improbidade administrativa. A nosso sentir, puro retrocesso.
E assim finalizamos o ano de 2021. As batalhas renderam um grande atraso na tramitação da reforma administrativa e, muito possivelmente, resultarão em vitória. Mas isso não implica dizer que foi um ano de conquistas. Os salários seguem congelados há anos e, cada vez mais, o discurso antifuncionalismo ganha adeptos. São sinais de que as batalhas não chegaram ao fim.
Fonte original: https://www.conjur.com.br/2021-dez-20/direito-administrativo-ano-arduas-batalhas-servidores