O ordenamento visa a proporcionar oportunidades às mulheres iguais às dos homens no mercado de trabalho
O combate à discriminação de gênero no mercado de trabalho tem previsão em dispositivos legais e, inclusive, constitucionais, na legislação brasileira e nos instrumentos trabalhistas internacionais. Contudo, a realidade evidencia uma série de desigualdades nas condições laborais entre homens e mulheres. Nesse sentido, um indicativo relevante é a diferença salarial entre homens e mulheres. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), de 2019, as mulheres possuem remuneração média que corresponde a aproximadamente 77,7% do rendimento dos homens. Em valores monetários, isso significa que, enquanto as mulheres ganham em média R$ 1.985, os homens recebem R$ 2.555.
Gênero e cargo
Analisando especificamente os principais grupos ocupacionais, o valor médio do salário das mulheres nos cargos de gestão e direção é de R$ 4.666, enquanto os homens nessas posições recebem R$ 7.542. Percebe-se, assim, que os salários das mulheres equivalem a cerca de 61,9% da mão de obra masculina. Ademais, há uma menor incidência de gestoras do sexo feminino do que masculino.
Já no âmbito das ciências e ocupações intelectuais, as mulheres recebem aproximadamente 63,6% do rendimento dos homens. Além disso, enfrentam impactos sociais maiores, visto que a taxa de desocupação entre as mulheres é de 14,1%, enquanto entre os homens é de 9,6%.[1]
Jornada tripla
As mulheres dedicam mais tempo aos afazeres domésticos, com uma média de 21,4 horas por semana, enquanto os homens destinam apenas 11 horas semanais a essas atividades.
Essa disparidade resulta em uma maior vulnerabilidade em relação ao trabalho informal, empregos precários ou contratos de trabalho intermitentes ou de meio período1].
Alterações na lei
Com a Reforma Trabalhista de 2017, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a esboçar tentativas de implementar punições em caso de diferença salarial em relação aos gêneros. Contudo, a situação da disparidade pouco se alterou.
Diante desse cenário, foi editada a Lei 14.611/2023, que introduz importantes alterações no ordenamento jurídico, trazendo obrigações às empresas e aumento na fiscalização, buscando mitigar disparidades salariais injustificadas entre homens e mulheres.
A lei, sancionada em 3 de julho deste ano pelo Presidente da República, estabelece a obrigatoriedade da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função, estabelecendo, inclusive, mudanças na CLT.
São trazidas medidas concretas para combater as disparidades salariais injustificadas. Agora, as empresas estão sujeitas a novas obrigações, como (i) a transparência na divulgação de informações salariais e (ii) a realização de auditorias periódicas visando identificar e corrigir possíveis desigualdades.
Com a alteração, a CLT majora o valor da multa aplicada em caso de discriminação relacionada a gênero, ao alterar a redação do art. 510: agora, a multa corresponderá a 10 vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, e será dobrada em caso de reincidência, sem prejuízo de outras medidas legais. Anteriormente, a multa era equivalente a um salário-mínimo regional, podendo ser dobrada em caso de reincidência.
Além disso, a lei estabelece a obrigatoriedade de as empresas com 100 ou mais empregados publicarem relatórios semestrais de transparência salarial, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) e também prevê que ato posterior do Poder Executivo estabelecerá protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial. Essa medida visa incentivar a conscientização e o engajamento na promoção da igualdade de remuneração.
Os relatórios devem conter informações e dados publicados de forma anônima, permitindo uma comparação objetiva entre salários, critérios de remuneração e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia ocupados por mulheres e homens. Além disso, devem incluir estatísticas sobre outras possíveis desigualdades resultantes de raça, etnia, nacionalidade e idade.
O Poder Executivo federal disponibilizará, de forma unificada e em uma plataforma digital de acesso público, as informações fornecidas pelas empresas, bem como indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda por sexo. Esses indicadores incluirão dados sobre violência contra a mulher, vagas em creches públicas, acesso à formação técnica e ensino superior, serviços de saúde, entre outros dados públicos relevantes para orientar a formulação de políticas públicas.
É temido que a legislação possa ocasionar um efeito contrário ao desejado: o de evitar a contratação de mulheres, por entender que, por geralmente possuírem maior carga de trabalho no âmbito pessoal, não teriam a mesma entrega dos homens. Assim, é essencial que de fato sejam realizadas políticas públicas de forma a viabilizar a aplicação da lei.
As alterações trazidas pela Lei nº 14.611/2023 têm o potencial de gerar impactos significativos no mercado de trabalho, materializando a previsão de igualdade salarial. Inclusive, a equidade remuneratória é um princípio fundamental e essencial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
A legislação se materializa como instrumento para a garantia de oportunidades às mulheres iguais àquelas conferidas aos homens no mercado de trabalho, não só em seu ingresso, mas sobretudo na permanência e na progressão de carreira, de modo a promover a equidade remuneratória. Nesse contexto, é fundamental compreender as alterações trazidas por esta lei e os impactos decorrentes dela.
Medidas e punições
No caso de identificação de desigualdade salarial ou critérios remuneratórios discrepantes, as empresas privadas devem elaborar planos de ação para mitigar essas disparidades, estabelecendo metas e prazos, com garantia de participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados nos locais de trabalho. O descumprimento dessas disposições resultará em multa administrativa de até 3% da folha de salários do empregador – limitada a 100 salários-mínimos – além de outras sanções cabíveis.
Apesar de o ordenamento mencionar a multa como consequência do seu descumprimento, a empresa ainda pode ser condenada judicialmente em processos trabalhistas, assim como ter a sua imagem impactada.
A legislação também trata do aumento da fiscalização, da criação de canais específicos para denúncias de discriminação salarial, da promoção de programas de inclusão no ambiente de trabalho e do incentivo à capacitação e formação de mulheres para ingresso, permanência e progressão no mercado de trabalho, em igualdade de condições com os homens.
Nesse sentido, a Lei nº 14.611/2023 assume um papel relevante na promoção da igualdade salarial, com a materialização de políticas legislativas essenciais para que as empresas forneçam um ambiente de trabalho seguro e saudável, combatam o assédio moral e sexual, e tornem tais medidas transparentes, caso contrário, sofrem com as sanções mencionadas.
Apoio social
Tem crescido na sociedade um movimento de consumo consciente, em que empresas socialmente responsáveis possuem preferência não apenas entre os consumidores, mas também entre os investidores e, até mesmo, entre os profissionais considerados talentos em suas respectivas áreas.
Por exemplo, a Resolução da CVM nº 59/2021 determina às companhias de capital aberto a transparência sobre o gênero dos empregados e dirigentes em todos os níveis hierárquicos.
Nota-se, portanto, que as empresas passam a assumir novas obrigações, sendo essencial que se organizem de forma a evitar não apenas sanções administrativas, mas também processos judiciais.
O programa de compliance trabalhista pode ser um forte aliado dos empresários na adequação da empresa às novas determinações trazidas pela lei, pois, em meio a tantas novidades legislativas e novas obrigações às organizações, é um mecanismo para garantir que a empresa esteja em conformidade, adequando as medidas impostas com a sua realidade, de forma personalizada. O advogado trabalhista empresarial consegue traduzir ao empresário as imposições legais, possibilitando a tomada de ações de adequação à lei.
Conscientização
A advogada do FdS advogados, Daniela Canhaci, explica que “a adequação à legislação passa por uma necessidade de mudança de cultura e pensamento de muitas empresas. A conscientização por meio de treinamentos e entendimento da importância, também apoiadas pelo Compliance Trabalhista, além de cumprir a lei, trazem uma série de benefícios às empresas que aplicarem a igualdade salarial de gênero, como por exemplo”:
- Melhora a imagem da empresa interna e externamente, sobretudo em relação a investidores no mercado;
- Reduz o risco financeiro da empresa;
- Evita insatisfação entre empregados e retém talentos;
- Possibilita que as empresas ganhem reconhecimentos, como Great Places to Work e a Certificação “Equal Pay”.
Além dos benefícios trazidos, estima-se que a redução salarial entre homens e mulheres pode aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 3,3%, o equivalente a R$ 382 bilhões. [2]
Percebe-se, assim, que as empresas que se adequarem à legislação de forma consciente, utilizando as medidas de integridade como ferramenta, além de evitarem punições, serão capazes de criar um ambiente de trabalho não apenas justo, mas também atrativo aos melhores talentos, consumidores e investidores, causando impactos financeiros e reputacionais positivos diretos a elas e sendo instrumento de justiça social.
Fontes:
[1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019. https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/pnad%20continua%20educacao%202019%202.pdf.
[2] https://santandernegocioseempresas.com.br/conhecimento/gestao-de-pessoas/equidade-salarial/