Essa é uma pergunta que tem sido feita com frequência. O motivo é simples. Precisamos enxergar a luz no fim do túnel. As consequências da crise econômica promovida pela COVID-19 ainda irão perdurar por um bom tempo, de modo que a perspectiva de uma reforma tributária que promova uma melhora no ambiente de negócios e, ao mesmo tempo, aumente a arrecadação, é bastante promissora.
Nesse contexto, os novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, incluem a Reforma Tributária como prioridade na pauta do Congresso. A ideia é agilizar a sua tramitação para que a aprovação do texto pelas duas Casas ocorra entre agosto e outubro de 2021.
MESMO PONTO DE ORIGEM, MESMO OBJETIVO, MAS DIREÇÕES DISTINTAS
Devido ao sistema tributário brasileiro, empresas estrangeiras pensam duas vezes antes de escolher o Brasil como um destino para alocar seus investimentos. Em âmbito nacional, empresários têm receio de abrir novos negócios. Somos recordistas no tempo gasto para o cumprimento de obrigações acessórias. E mais: o alto grau de complexidade do imenso arcabouço normativo tributário, aliado à guerra fiscal entre os estados, causa uma judicialização vertiginosa, tanto por parte dos contribuintes, como por parte do Fisco.
Exatamente com o objetivo de reverter tal contexto, bem como de promover uma maior justiça social, surgem inúmeras propostas de reforma do sistema vigente.
Atualmente, existem algumas propostas de emenda à Constituição que ganham maior destaque: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 45/2019, desenhada pela Câmara dos Deputados, proposta pelo Deputado Baleia Rossi, a PEC n. 110/2019, proposta pelo Senado, de autoria do senador Davi Alcolumbre, e o PL n. 3887/2020, proposto pelo governo federal.
A PEC n. 45/2019 e a PEC 110/2019 se encontram sob a análise da Comissão Mista da Reforma Tributária. De acordo com o relator da comissão, senador Roberto Rocha, pretende-se formar um texto único no qual sejam reunidos pontos em comum entre as propostas. Uma missão quase impossível. Isso porque, apesar de partirem das mesmas premissas e compartilharem o mesmo objetivo, as propostas são, em algumas questões, colidentes.
A PEC N. 45/2019
A PEC n. 45/2019, proposta da Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB/SP) é, sem dúvida, a mais arrojada. Pretende-se combater a guerra fiscal através da criação de uma alíquota unitária sobre bens e serviços. Trata-se do Imposto único sobre Bens e Serviços (IBS), que substituiria cinco tributos de competência de diferentes entes federativos, o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, a ser regulamentado e gerenciado pelo Comitê Gestor Nacional.
Com a criação do IBS, a PEC objetiva simplificar o sistema, conferindo uma maior transparência quanto à base de cálculo e à alíquota. A ideia é “criar uma regra simples e indiscutível” que resulte no aumento de segurança jurídica, diminuição da evasão fiscal e controle da judicialização em massa das questões tributárias.
É mais uma proposta que pretende alinhar a legislação brasileira à realidade há muito vista pelo resto do mundo quando se trata de tributação sobre o consumo: a do imposto sobre o valor agregado (IVA). O IVA é um imposto geral e uniforme, que tem sua cobrança diluída entre as etapas da cadeia de consumo, assim, o tributo é proporcional ao valor que cada uma das etapas incorpora ao produto.
Outro ponto que merece destaque é a extinção de benefícios fiscais no âmbito do IBS. Assim, não serão concedidos benefícios, como alíquotas reduzidas, nas operações com alimentos ou medicamentos, por exemplo. Além disso, os Estados não poderão oferecer tais benefícios como atrativos para as empresas. Em substituição, propõe-se que sejam alocados recursos da União para reforçar políticas regionais, cuja regulamentação será definida por meio da legislação infraconstitucional.
A questão da extinção de incentivos fiscais gera muita resistência de diversos setores. Seus principais objetivos são aumentar a transparência com um regime de tributação uniforme para todos os bens e serviços, assim como reduzir a guerra fiscal e as chamadas “distorções competitivas e alocativas”.
Defensores da proposta alegam que tais distorções levam empresas hoje a se estabelecerem em locais carentes dos recursos que lhes são indispensáveis em troca de uma carga tributária reduzida, situação que aumenta a desigualdade entre os estados, sobrecarrega as estradas do país e reduz significativamente a produtividade nacional.
Para a mencionada proposta, estima-se uma transição de dez anos dos tributos atuais para o IBS, período em que haverá uma convivência dos dois sistemas. Os dois primeiros anos serão considerados um período de teste, no qual o IBS será cobrado à alíquota de 1% e poderá sofrer alguns ajustes. Nos oito anos seguintes, as alíquotas dos impostos substituídos serão reduzidas em um oitavo por ano. Assim, gradualmente, os tributos serão substituídos pelo IBS. Trata-se de um período de transição extenso, mas justificável, em razão das grandes mudanças propostas.
A PEC N. 110/2019
Por sua vez, a PEC n. 110 inclui ao imposto sobre bens e serviços (IBS) um número maior de tributos. Seriam substituídos o IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário Educação, ICMS e ISS. Diferentemente do IBS previsto na PEC n. 45/2019, as alíquotas poderiam ser variáveis para diferentes bens e serviços, mas seria aplicada de forma uniforme em todo o território nacional.
Outra diferença em relação à proposta da Câmara é relativa aos benefícios fiscais. Seria autorizada a concessão de benefícios para setores específicos, como de alimentos, medicamentos, educação, transporte público e saneamento básico, a ser regulado por meio de lei complementar que definirá alíquotas mínimas e máximas como parâmetro.
Tal diferença torna a proposta mais atrativa para alguns setores do mercado, como o de saúde, que hoje é beneficiado com um tratamento diferenciado e alíquotas reduzidas.
O período de transição previsto conta com um ano de teste, no qual será cobrado o IBS à alíquota de 1%, e com mais cinco anos para a substituição dos atuais tributos pelos novos à razão de um quinto ao ano.
CUIDADO COM PASSOS LONGOS DEMAIS
Apenas com a análise das mencionadas propostas, já é possível verificar que os caminhos que a Reforma Tributária pode seguir são variados. Ocorre que, diante das inúmeras mudanças propostas, qualquer uma das direções certamente resultará em percalços para a adequação das empresas ao novo regime.
Diante disso, apesar do contexto da pandemia da COVID-19 e da consequente grave crise econômica tornarem atrativa a corrida pela aprovação de uma Reforma Tributária que nos traga grandes mudanças, deve-se agir com bastante cautela, para que o texto aprovado seja o que melhor condiz com o nosso objetivo comum: simplificação, justiça social e transparência.