Um contrato importante. Todos os termos definidos. Antes de assinar, alguém sugere inserir uma cláusula de arbitragem para solucionar disputas futuras entre as partes. Explicam que é uma alternativa à justiça comum muito mais rápida e segura. Excelente! Contrato assinado.
Cuidado. Não é tão simples assim.
O QUE A ARBITRAGEM NÃO É
Para entender o que é a arbitragem, primeiro, é válido entender o que ela não é. Arbitragem é um método de resolução de conflitos que não se confunde com o processo judicial e nem com a mediação ou conciliação.
O processo judicial é o método mais comum para resolver disputas no Brasil. Ele é conduzido pelo Poder Judiciário e seu procedimento, caso seja de matéria cível, é regido pelo Código de Processo Civil. Em um processo judicial, o juiz escuta as partes, analisa as petições e documentos e, por fim, decide. A decisão é vinculante, ou seja, obriga as partes. Caso haja discordâncias, é possível recorrer para os tribunais hierarquicamente superiores, contudo, somente o próprio Poder Judiciário pode alterar o conteúdo da decisão.
A conciliação e a mediação são métodos em que as próprias partes decidem consensualmente. Em ambos os procedimentos, há um terceiro que auxilia na condução das conversas, mas que não tem poder para impor uma decisão. Na conciliação, esse terceiro participa ativamente e sugere soluções. Na mediação, somente auxilia na comunicação.
A arbitragem não se confunde com nenhum desses métodos. Na arbitragem, a disputa é conduzida por um terceiro que, tal como um juiz, tem poder para decidir. Contudo, esse terceiro não é um juiz, mas sim um agente privado escolhido pelas partes e chamado de árbitro.
Em uma arbitragem, a liberdade das partes é central. Elas podem escolher não só o julgador, mas também, as regras procedimentais – que tratam de prazos e produção de provas – e a própria lei material – que é a base para decidir quem tem razão. Isso permite, por exemplo, que as partes elejam um árbitro especialista no assunto do contrato e uma legislação mais adequada à discussão. Da mesma forma, é possível definir quantos serão os árbitros – em regra, um ou três.
É importante notar que, a partir do momento em que se estabelece um contrato com uma cláusula de arbitragem, esta se torna a única via autorizada para solucionar disputas, com mínimas exceções. Assim, recorrer ao Poder Judiciário deixa de ser uma possibilidade.
OS BENEFÍCIOS DA ARBITRAGEM
Da liberdade característica da arbitragem surgem seus principais benefícios: a celeridade, a profundidade e a confidencialidade.
A duração média de um processo judicial é de cerca de quatro anos e dez meses, segundo dados do CNJ. Esse tempo é resultado da enorme quantidade de processos que cada juiz precisa julgar. Em uma arbitragem, o árbitro é escolhido especificamente para o caso. Com menos processos, a duração reduz-se bastante e alcança uma média de um ano e nove meses.
A menor quantidade de casos por julgador, combinada à liberdade para escolhê-lo, resulta em uma análise mais profunda e, consequentemente, em uma decisão mais sólida e justa. Por exemplo, caso se trate de uma discussão que envolva aspectos minuciosos da indústria farmacêutica, as partes podem indicar um árbitro especialista no assunto, que poderá decidir com mais precisão do que um juiz, que, por melhor qualificado que seja, dificilmente teria o mesmo domínio sobre o assunto.
Em regra, um processo judicial é público e somente se torna confidencial em casos extremos de interesse público ou de direito de família. Na arbitragem, devido à liberdade das partes, pode-se estabelecer livremente a confidencialidade. Esse sigilo pode ser especialmente valioso a depender do impacto que a divulgação de um litígio e de seus documentos possa gerar para as partes envolvidas.
NEM TUDO SÃO FLORES
Em uma arbitragem, as partes precisam pagar não só seus advogados, mas também os árbitros e a câmara arbitral, que será responsável pela administração do procedimento. Mesmo que também existam custas nos processos judiciais, os valores são muito inferiores.
É possível reduzir o custo pela escolha de câmaras arbitrais mais acessíveis e pela utilização de somente um árbitro, contudo, em qualquer situação, o preço é bastante superior ao de um processo judicial. Como exemplo, uma causa de R$ 500 mil pode custar de R$ 20 mil a R$ 170 mil por parte, a depender do número de árbitros e da instituição escolhida, sem contar os honorários advocatícios.
AFINAL, QUANDO VALE A PENA?
Para que os altos custos de uma arbitragem se justifiquem, é necessário que a causa efetivamente se beneficie dos pontos positivos do procedimento. A depender da situação, a arbitragem é muito mais vantajosa do que um procedimento judicial.
Quando o valor da causa é elevado o suficiente, as custas se diluem e passam a representar um percentual pequeno do valor discutido. Nesses casos, a arbitragem pode até se tornar mais barata, uma vez que a parte vencedora receberá e poderá dispor dos valores mais cedo.
Em muitos casos, a confidencialidade é de extrema importância. Para que não haja estragos à reputação ou vazamento de informações estratégicas de alguma empresa, torna-se facilmente justificável a adoção da arbitragem.
Quando a matéria de fundo da disputa é muito específica, a arbitragem também se torna altamente recomendável. É o caso de discussões que envolvam questões técnicas extrajurídicas ou, até mesmo, de um nicho restrito do Direito. Nesses casos, é comum que as partes escolham como árbitro um especialista na questão técnica que, inclusive, pode nem ser formado em Direito.
Por fim, a arbitragem é muito útil para contratos internacionais em que nenhuma das partes deseja se submeter aos tribunais estatais e às leis do país de sede da parte oposta. Nesses casos, é comum que as partes optem por arbitragem em um terceiro país e que escolham uma legislação neutra ou um regramento específico para comércio internacional, tal como a Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG).
MUITO CUIDADO
A arbitragem é um excelente método de resolução de conflitos, mas, tal como qualquer outro, não é adequada para qualquer situação. Na hora de assinar um contrato com uma cláusula arbitral, é muito importante avaliar se ela realmente se adequa à situação. A falta de cuidado pode levar a uma realidade em que a parte lesada não consegue exigir seus direitos, porque não pode utilizar o Poder Judiciário e a arbitragem é simplesmente muito cara para o valor da causa.